A vocação é um mistério que, mesmo revelado, permanece em
luz inacessível. Sim, Deus faz “teofania”, Ele mesmo vem ao encontro do homem e
estabelece diálogo com ele. Toda vocação tem sua origem no próprio Deus, é
de direito divino. Ele chama para si “os
que quer” (cf. Mc 3,13), sem mérito algum do eleito. Os que foram incitados e
atraídos por Ele, somente podem corresponder consentindo na disponibilidade de
coração sem olhar para trás. É uma adesão sincera, na quebra dos próprios
projetos. Se trata, na verdade, de ir além, sendo totalmente livre.
A entrega, tanto quanto a adesão, são feitas não a projetos
ou idéias, mas sim a uma pessoa, que é o Cristo, e desta forma a honra devida é dada a Deus, também
edificando a Igreja e cooperando na salvação do mundo.
A primeira vocação é a própria vida, já que “a glória de
Deus é o homem vivo”, como afirmou Santo Irineu de Lion. Essa vida como dom nos capacita a termos
relacionamento com Deus, o doador da mesma, nosso Criador, que nos faz filhos
no Seu Filho. Deus nos faz cristãos o que, é também uma vocação universal esse
chamado a caminhar com Cristo e de se configurar à sua vida. A vocação à Vida
Religiosa é o “ cume” da vida humana e cristã, como afirma o Concílio Vaticano
II: “A profissão dos conselhos evangélicos, ainda que comporte a renúncia de
bens que sem dúvida devem ser tidos em muita conta, todavia, não é impedimento
para o enriquecimento da pessoa humana, mas antes, por sua própria natureza,
favorece-a grandemente” (Cf. LG 46b).
A Vida Religiosa surge da busca do homem de seu real sentido
no mundo. É nesta finitude de si mesmo que o homem encontra o Absoluto que é
Deus. No término das perseguições aos cristãos, por volta do início do século
IV, muitos homens empreendem a “Fuga Mundi”, ou seja, vão para o deserto em
busca de um ascetismo que provoque a vida na “martiria”. Agora não mais
facilitada pelas perseguições, mas embasada na própria firmeza da decisão.
Isso é uma renúncia ao mundo com suas pompas para se apegar
ao Único Necessário que é estar com Deus. Nesta entrega e dedicação está o
coração daquele que deseja viver a radicalidade do Evangelho.
A vida eremítica abre as portas para este estilo de vida:
estar na solidão que gera liberdade plena. Uma alegria inconfundível e
inseparável de um coração elevado e provado pelo sofrimento. Em breve, porém,
percebeu-se que muitos candidatos à perfeição não podiam suportar os perigos do
isolamento na busca do Absoluto, e que era possível, salvaguardando o essencial
do desejo da solidão, procurar o apoio de companheiros, em uma mútua caridade.
Assim nasce a vida cenobítica e os primeiros mosteiros.
A maior característica da Vida Religiosa é a entrega a Deus
pela Profissão dos Conselhos Evangélicos unida à Vida Comunitária, com
afastamento do mundo, e a submissão a um Superior que assume o lugar de Cristo.
Nesta entrega, manifesta-se o Reino de Deus já presente e que será total. É
oferta agradável a Deus, um sacrifício que se eleva nas pequenas coisas da
vida, um “verdadeiro culto de Deus na caridade”.
Os chamados “conselhos evangélicos” são precisamente evangélicos
porque se fundam na vida e na doutrina de Cristo e delas tiram sua origem. “O
estado religioso imita mais estreitamente e representa perenemente na Igreja o
gênero de vida que o Filho de Deus tomou quando veio a este mundo para cumprir
a vontade do Pai” (Cf. LG 44)
Cristo entregou-se irrevogavelmente à sua Igreja, vivendo na
totalidade para Deus e para os homens. E sua virgindade-pobreza-obediência é a
expressão visível e real dessa autodoação absoluta e sem reservas, definitiva e
irreversível. A virgindade, a pobreza e a obediência são, historicamente, as
três dimensões mais profundas e
significativas do viver humano de Cristo, expressão e manifestação de Seu
sacrifício, de Seu entregar-se em amor a Deus e aos homens todos.
A vida comunitária diante de seus desafios é lugar onde os
religiosos se realizam na própria vocação, cujo ápice é o coro. A oração
comunitária é uma extensão da Santa Missa e uma disposição a santificar todo o
curso do dia. Na vida comunitária tem significativo lugar o Superior Religioso,
que ultrapassando seus próprios limites, faz as vezes do Cristo, primeiro na
imolação de si mesmo em vista daqueles que lhe foram confiados, e também como
presença referencial a quem seus irmãos podem recorrer na gerência da vida. É
um apoio e sustento, para que a vida comunitária e os votos sejam autenticamente vividos.
Nós, salvistas, temos uma identidade própria na Igreja, somos
religiosos, por isso bebemos desta fonte que é a Vida Religiosa, espelhando-nos no Cristo amor-doação.